O ex-futuro presidente dos EUA esteve no Brasil para apresentar “Uma Verdade Inconveniente”.
Interessante perceber como a questão da sustentabilidade entrou rapidamente na agenda dos grandes líderes de praticamente todos os setores da economia hoje. Legitimamente ou não, tornou-se relevante abordar o tema sob todos os aspectos no fórum pessoal, empresarial ou político.
A maior parte do tempo, insistentemente, o ex-vice-presidente americano trata de fundamentar o efeito que o Homem tem causado a Terra pelo crescimento populacional, pelas novas tecnologias e pelos velhos hábitos. Por exemplo a pesca feita com navios e redes de quilômetros são insustentáveis já que não há tempo da fauna se refazer.
Ele viajou para grande parte dos lugares que apresenta no mundo todo e relata os efeitos até com fotos pessoais. Alguns picos gelados não existem mais, geleiras dos Pólos estão se desfazendo e florestas estão desaparecendo. Trata também de relatos científicos com inigualável consenso (raro no mundo acadêmico científico) sobre mudanças climáticas já em efeito como o record de tempestades e tufões nos últimos anos nos EUA.
Com uma oratória impecável, Al Gore prendeu a atenção das cerca de 600 pessoas presentes durante 2 horas. Apesar de atualizada com dados do dia, a palestra do festejado filme não focou realidades brasileiras. Houve um cuidado extra do apresentador em não se envolver em questões políticas regionais, principalmente em relação a Amazônia, quando perguntado sobre o tema.
Apesar das queimadas de nossas florestas, o Brasil representa pouco em relação a emissão de carbono no mundo: 2,5% contra 30% dos EUA e 27,5% da Europa. O país foi também elogiado em relação ao investimento em energia renovável.
Apesar de totalmente envolvido com a questão ambiental, Gore não resiste a alfinetadas em seu ex-adversário político. New Orleans é citada várias vezes, com fotos recentes, que parecem tiradas durante a catástrofe, e com a comparação do custo da guerra de Bush diante de ações desejáveis em direções sustentáveis. Ele deixa muito claro que o maior responsável pela emissão de carbono no mundo é o que menos está fazendo para evitar o aquecimento global. Cita ainda o movimento a revelia do governo central, de uma centena de cidades norte-americanas em seguir o Protocolo de Kyoto.
Al Gore também fundamenta, ao final da apresentação, que já temos atualmente os recursos tecnológicos e conhecimentos necessários nas mais diversas áreas ou em todas, já que nunca foi tão unânime a questão, para revertermos a “rota de colisão da Terra”. Teríamos ainda 10 anos até o “point of no return”. Faltaria a tal vontade política, principalmente na casa dele, segundo o próprio, um recurso renovável.
Mas o que se aprendeu verdadeiramente naquela noite foi a arte de bem vender.
No final das contas, Al Gore viaja o mundo (ele está recrutando replicadores de suas palestras em vários países) como ambientalista, com a bandeira da sustentabilidade, e até ganhou o Oscar (melhor documentário) para “falar mal” do Bush, seu ex-adversário político que seria o principal adversário da implantação de ações sustentáveis já disponíveis e necessárias no país, maior responsável pela emissão de gases do mundo.
É como se o Geraldo Alkimin viajasse o mundo dando palestras sobre emissão de mensalão , sendo o Brasil responsável por 30% das emissões mundiais e os EUA 2,5% (Será ?).
É claro que se trata de uma comparação grosseira da minha parte, quase mal educada.
Está claro que o assunto da sustentabilidade é muito mais envolvente.Tem a ver com nosso espírito, com o Espaço da Terra do Pierre Levy. Com nossa existência. Com nossa essência. Já existe uma sensação de desconforto sobre nossa relação de troca com o planeta e seus recursos naturais.
Exatamente, o Al Gore foi capaz de verbalizar nosso desconforto (depois de 15 anos estudando o tema segundo ele). Com uma apresentação de dar inveja aos maiores “heavy users” de Power Point do mundo e com uma presença de palco digna da Brodway ele fala o que nós queremos ouvir. Edita uma realidade para nós. Ele sugere uma união em torno de uma causa e colaboração inter-instituições em torno de um tema. Ele sugere uma nova Inteligência Coletiva.
Um gênio do Marketing segundo os publicitários. Um messias segundo os mais entusiasmados. Um excelente político segundo os mais céticos. Um grande oportunista segundo alguns cotovelos doloridos. (Ele ganha 150 mil dólares por palestra).
A verdade é que ele se apoderou de um dos temas mais relevantes do nosso tempo, se não o mais relevante.
Isso nos faz refletir sobre este tal de EUA, país líder (não por acaso) do mundo moderno, capaz de atrair as melhores cabeças, patentes e tecnologias hoje para o “American Dream”.
O mais admirável é sua capacidade de auto-crítica (melhor do que do resto do mundo em criticar os próprios EUA). Sua capacidade de impactar, “marketear” e oportunizar (no Auditório do Ibirapuera a noite era fantástica e o fundo do auditório aberto antes da palestra tinha o parque iluminado e o céu estrelado) e de se re-inventar. Apesar das críticas de que se consideram o umbigo do mundo que no caso da liderança em emissão de gases remete a outro famoso orifício humano, os EUA são um palco inegável de sucessos frequentes.
Um país que têm uma das menores taxas de emissão de carbono do mundo e já é referência mundial em tecnologia de combustível renovável não teria muito mais legitimidade de pregar a sustentabilidade mundo a fora?
O que vale no mundo hoje é quem sai na frente? O que vale é quem se apodera de um tema antes dos outros? O que vale é quem edita a realidade antes dos outros? O que vale é quem marketea antes? Talvez, por enquanto.
Num ataque ufanista. Ainda há tempo. Vamos aproveitar esse momento de enxurrada de dólares mais produtivos e menos especulativos no Brasil.
Vamos aprender com o Al Gore (e com os EUA) a vendermos bem em vez de sermos bem comprados.