sexta-feira, 27 de abril de 2007

Espaço do Saber

Grande parte do que há de objetivo no mundo já foi “resolvido” pelo Homem. Grande parte das espécies já foram catalogadas, os terrenos mais inóspitos já foram cartografados, as partículas mais obscuras já foram manipuladas. A velocidade com que conteúdos e informações são digitalizados nos faz imaginar também que em breve grande parte do conteúdo e informação presentes no mundo serão acessíveis na Internet.

Terá chegado finalmente a hora do subjetivo? O momento de explorar o incatalogável”, de desvendar o incartografável”, de conviver com o “imanipulável”, de apaixonar-se pelo indigitável”?





Pierre Levy define esta dimensão como o Espaço do Saber. Em paradoxo, justamente quando achamos que tudo está desvendado descobrimos o Espaço do saber que é justamente a descoberta de que o que importa é o que não é desevendável.

Os 4 espaços segundo o autor e filósofo francês (Do Livro A Inteligência Coletiva)

Terra.
Representa nossa relação com animais, plantas, paisagens, lugares e espíritos.
É o espaço do concreto, o mundo das significações, das linguagens dos processos técnicos e das instituições sociais (a “religião em seu sentido mais amplo). É também o da conexão com o cosmo, planetas, signos e astros. Só os seres humanos habitam sobre a Terra; os animais habitam em nichos ecológicos. O contato com a natureza é bastante estreito. Os modos de conhecimento específicos desse primeiro espaço antropológico são os mitos e os ritos.
Se considerarmos um curriculum vitae, o primeiro item, nosso nome representa uma inscrição simbólica típica do primeiro espaço.









Território
O segundo espaço surge do neolítico com a agricultura, a cidade, o Estado e a escrita.
Ele não suprime a Terra mas tenta sedentarizá-la, domesticá-la. Domestica e cria animais. As riquezas não provêm da colheita e da caça, mas da posse e da exploração dos campos. Neste segundo espaço, os modos de conhecimento dominantes baseiam-se na escrita. Começa a história e o desenvolvimento dos saberes de tipo sistemático, teórico. O centro da existência não é a participação no cosmo, mas o vínculo com uma entidade territorial definida por fronteiras.
É o espaço da burocracia, da política tradicional, do rebuscado, do obscuro. As instituições são igualmente territórios, ou justaposição de territórios, com suas hierarquias, burocracias, sistemas de regras, fronteiras, lógicas de pertença ou exclusão. Ou você está dentro ou fora.
O Território canaliza os rios, seca os mangues, desbasta as florestas, lança pontes sobre os rios. Edifica nos costumes e na alma coletiva dos povos uma pirâmide social. O Território instaura com a Terra uma relação de depredação e destruição. Ele a domina, fixa, encerra, inscreve e mede. Mas os rios transbordam, a floresta avança, os saqueadores do deserto vêm pilhar os tesouros acumulados. A Terra volta sempre, irrompe do meio do Território.
O espaço do Território representa também o esforço do Homem em aprisionar o tempo, perpetuar sua existência.

No curriculum vitae este é o espaço do endereço.

O Espaço das mercadorias

É o espaço do novo mundo tecido pela circulação contínua, cada vez mais intensa, cada vez mais rápida, do dinheiro.



Letras de câmbio, cheques, pagamentos a prazo, títulos, divisas, taxas de lucro, finanças, especulação, cálculo.


Este espaço atravessa fronteiras, abala as hierarquias do Território. A dança do dinheiro traz consigo, em uma evolução acelerada, uma maré ascendente de objetos, signos e homens.


Barcos a vapor, estradas de ferro, automóveis, estradas, acidentes, auto-estradas, cemitérios de carros, caminhões, cargueiros, petroleiros, aviões, metrôs, transportes, circuitos, circulação, distribuição, saturação, rapidez imóvel.


O capitalismo transforma em mercadoria tudo o que consegue incluir em seus circuitos.


Trigo, algodão, tecidos, panos, roupas, medicamentos, conserva, congelados, geladeiras, máquinas de lavar, fraldas, sabões, acumulação de coisas, catálogos, grandes superfícies.


O capitalismo funciona graças ao Estado Territorial.



Minas de ferro, poços de petróleo, refinarias, tratores, trabalho, usinas de gás, centrais atômicas, eletricidade, trabalho, greves, concreto, máquinas automáticas, robôs, trabalho, trabalho, trabalho, desemprego.



Quando o Espaço das mercadorias adquire autonomia em relação ao Território, ele não abole pura e simplesmente os espaços anteriores, mas sujeita-os, organiza-os segundo seus próprios objetivos. O capitalismo é “desterritorializante”.

É o espaço dos fluxos: fluxo de energias, matérias-primas, mercadorias, capitais, mão-de-obra, informação. Os fluxos econômicos pretendem domesticar o Território assim como o Território pretende domesticar a Terra. O Território pretende aprisionar o tempo perpetuando a existência e o Espaço das mercadorias pretende aprisionar o tempo, perpetuando a imagem do Homem em suas fantásticas ferramentas de mídia.
O Espaço das mercadorias é o novo motor da evolução. A riqueza não provém do domínio das fronteiras mas do controle dos fluxos.


É também o Espaço da ilusão. Do Big Brother. Da desconexão entre o ser real e o imaginário. O espaço do eu virtual, desejado, desconectado. O espaço das propagações.
O espaço midiático.


Máquinas de escrever, gráficas, jornais, revistas, fotos, anúncios, publicidade, cinema, astros, telefone, rádio, músicas, foguetes, satélites, computadores, telemática, informação, comunicação, banco de dados, digitalização, carros inteligentes, pesquisa e desenvolvimento, manipulações genéticas, arte, cultura, espetáculo.


Não é bom estar desempregado no Espaço das mercadorias.

No curriculum vitae é o espaço da profissão


Que nova dimensão antropológica permitiria escapar ao redemoinho do capital?
Que movimentos ainda mais rápidos, mais envolventes que os da economia desterritorializarão a desterritorialização? Eis que a camada mercantil, céu da humanidade conteporânea, sofre um furo, abrindo para outro espaço.



O Espaço do saber

É possível fazer surgir um novo espaço no qual se possa ter uma identidade social, mesmo que não se tenha profissão? Talvez a crise atual dos pontos de referência e dos modos sociais de identificação indique o surgimento, ainda malpercebido, incompleto, de um novo espaço antropológico, o da inteligência e do saber coletivos, cujo advento definitivo não está em absoluto garantido por certas “leis da história”. Como os espaços anteriores, o Espaço do saber teria vocação para comandar os espaços anteriores. Com efeito, é das capacidades de aprendizado rápido e da imaginação coletiva dos seres humanos que os habitam que dependem tanto as redes econômicas como as potências territoriais. E, certamente, o mesmo ocorre no que se refere à sobrevivência da grande Terra nômade.

Um tripla convergência faz surgir por trás do nevoeiro informacional, paisagens inéditas e distintas, identidades singulares, específicas desse espaço, novas figuras sócio-econômicas:
1. A velocidade da evolução dos saberes
2. A massa de pessoas convocadas a aprender e produzir novos conhecimentos
3. O surgimento de novas ferramentas do ciberespaço

Como explica o autor, apesar de claramente localizados na história quando dos seus surgimentos, os Espaços convivem paralelamente. O Espaço do Saber, apesar de sempre ter existido, já que somos Sapiens, só a partir de agora, em paralelo a disseminação da Internet toma a dimensão de importância dos espaços anteriores. Também representa um retorno ao primeiro espaço, a Terra.

A Internet não é o espaço do Saber. A Web ou o Ciberespaço potencializa o Espaço do Saber. O espaço do subjetivo.

Nas comunidades colaborativas que surgem na Web 2.0, não importa seu nome, onde viva ou sua profissão mas sua capacidade de contribuir ao processo evolutivo de um projeto, sistema e para a inteligência coletiva que se instaura como resultado da contribuição de cada um dos envolvidos.