quarta-feira, 11 de julho de 2007

Nossos Pescadores do Amanhã


Eu: O que vocês querem ser quando crescer?

Eles: Silêncio

Eu de novo: O que vocês querem ser quando crescer?

Uma menina de uns 14 anos levanta a mão e convicta brada: Advogada. Eu quero ser advogada

Eu, diretamente a um garoto de uns 15 anos que me olhava desconfiado: E você?

Ele, sem convicção: Metalúrgico. Por causa do meu pai.

Uma menina interrompe encorajada pelos amigos: Pedreira. Eu quero ser pedreira.

Eu: Ninguém quer ser político? Presidente do Brasil? Vocês sabiam que o Lula era metalúrgico, torneiro mecânico como o pai dele (apontando para o menino)? Alguém da geração de vocês vai ter que ser. Por que não vocês?

O diálogo aconteceu a 2 horas de distância (em condições normais de temperatura e pressão do trânsito paulistano) da Faria Lima, na região entre Guaianases e Ferraz de Vasconcelos.

Ao final do trajeto fomos rapidamente cercados pelas construções típicas da periferia. São cômodos construídos desordenadamente. Temos a sensação de que só param de pé porque apóiam-se uns aos outros. Sem dúvida, parece que estivemos (o Estado, eu e você) longe por muito tempo dessa realidade, e agora queremos “tirar o atraso” (o trajeto até lá, devo admitir, é mais estruturado e policiado do que eu imaginava, em largas avenidas abertas recentemente)

Um desses aglomerados de cômodos é o Lar Criança Feliz, presidido pela Dona Josefa, coordenado por Silvia, Cacilda e Marcia e com os educadores Angelica, Débora, Islaine e Michele todos voluntários moradores da região. Uma “casa” de 3 andares que recebe, alimenta e educa 60 crianças entre 6 e 15 anos escolhidas da comunidade ao redor, desde que estejam estudando, para passar o período da manhã ou da tarde. Normalmente são de lares desestruturados. A alternativa seria as ruas.

Era a inauguração de uma parceria do Minha Vida com o Agente Cidadão (ONG que já ajuda a instituição a alguns anos).
Doaremos parte da receita da empresa com a venda de programas nutricionais para até 5 instituições até o fim do ano. Uma adaptação do conceito de débitos e créditos do carbono para as calorias e por isso chamado de Sustentabilidade Nutricional.
O projeto não só envolve doar alimentos (um pouco paternalista demais) como ensinar os educadores a ensinar as crianças sobre a importância de comerem de forma balanceada.

É sem dúvida, tocante ver crianças com sorrisos tão poderosos como o do meu filho que não terão as mesmas oportunidades na vida (deu vontade de levar alguns para casa).

Não. Estou convencido de que este não é o caminho (o paternalismo). Pode até ser o mais fácil e pode trazer algum alívio de consciência, mas não é capaz de transformar “ganhadores de peixe” em pescadores, fazedores e cidadãos conscientes.

A revista Veja da semana passada traz matéria de capa sobre Auto-Estima. A reportagem traz um estudo da ISMA-BR que constatou que os brasileiros possuem auto-estima baixa em comparação aos americanos e franceses. 59% contra 22% e 27%. Em paradoxo, 67% dos pesquisados disseram ser otimistas, contra 54% dos americanos e 49% dos franceses. É como dizer assim: Sim, nós vamos melhorar, mas não por minha causa (ó dia ó céus...)

A indústria da auto- ajuda (sou um consumidor contumaz) é unânime em descrever histórias de pessoas que contra tudo e contra todos construíram jornadas de sucesso. Na onda de IPO’s tupinikins, chama atenção a história de Marcos Antonio Molina dos Santos que iniciou a Marfrig aos 16 anos em 1986 como primeiro negócio, e abriu capital em 28 de junho último. A empresa é o quarto maior produtor de carne bovina do mundo com negócios na Argentina, Chile e Uruguai.

Será o ambiente determinante? Ou, é o que vêm de dentro, a capacidade de se auto-motivar e a auto-estima que fazem toda a diferença? Haja auto-estima para os jovens que vivem entre os labirintos da periferia e a longínqua realidade das novelas da TV. Pior ainda para os que são “perna de pau” ou, para os que não gostam de música que são as histórias de sucesso mais próximas e conhecidas de mobilidade social. A imensa maioria.

Toda vez que se discute segurança “neste paízz” a questão da educação surge com a principal entre outras. E junto o desânimo. Uma solução de longo prazo para um problema de curto. E eu concordo que é a principal, mas sobre outro enfoque, o da motivação. Não haverá sistema prisional, policial e judiciário suficiente (são muito necessários sem dúvida) se não trabalharmos a questão da motivação de vida (um dos principais ingredientes da auto-estima segundo os especialistas) de quem segura a arma do outro lado. Será que é impossível pensar em uma solução de modelo de educação (e formação de valores) de curto prazo?

Será que o modelo tradicional de educação é capaz de competir com a imagem de um jogador de futebol ganhando milhões de euros na Europa? Será que o modelo tradicional de educação é capaz de competir com os cantores de Rapp ou com as duplas sertanejas? Ou pior, será que o modelo tradicional de educação é capaz de competir com um traficante posando sem camisa com uma metralhadora Uzzi em punho cercado de meninas em um baile funk?

Não. Não é capaz. E, assim como a igreja católica tradicional “perdeu mercado” para as igrejas alternativas por falta de sintonia com a realidade de seus fiéis, o modelo tradicional de educação perde mercado para o culto a não educação. Até nosso presidente orgulha-se de ter chegado lá sem estudar.

Um modelo de educação eficaz tem que ser capaz de cuidar da auto-estima, inspirar, formar e motivar nossas crianças a encontrar seus próprios caminhos, a andar com as próprias pernas o mais cedo possível.

Não estou aqui incentivando o trabalho infantil (mas a auto-estima prematura), mas as escolas de futebol recrutam jogadores cada vez mais cedo, cantores fazem sucesso cada vez mais jovens, a Formula 1 têm os campeões mais jovens da história (Luiz Hamilton tem contrato vitalício com a MacLaren desde os 11 anos), e infelizmente o tráfico de drogas também têm discípulos que perdem a vida cada vez mais jovens.

Então temos cada vez mais cedo Ronaldinhos frustrados, filhos de Francisco frustrados e (graças a Deus) traficantes frustrados.

Faltam pontes (que insistimos em colocá-las nos lugares errados via Senadores corruptos) que liguem o estudo básico aos heróis da vida real. O Marcos da Marfrig (um legítimo valorizador de novilhos), o Nenê Constatino da Gol, o Seu Gervásio da padaria da esquina. Pessoas motivadas, apaixonadas e comprometidas com seus projetos de vida desde muito cedo.

Outro ingrediente, unânime entre os especialistas, para a boa auto-estima é a coleção de realizações positivas. Neste caso transparência e relação causa/efeito pode ser muito útil.

Está muito claro na sabedoria popular: Se jogar bem futebol (for um craque) ganho milhões, se cantar bem faço shows e ganho milhões, se me juntar o crime posso ganhar dinheiro agora. E se for bom em matemática? Se estudar história? E se eu tirar dez na prova de geografia?

Há espaço para quantos Ronaldos e Robinhos? Para quantos cantores bem sucedidos? Presídios para quantos bandidos? Haverá sempre muito espaço para empreender e reinventar as cadeias de valor.

Do outro lado, o mercado de trabalho carece de bons profissionais. No Minha Vida estamos fazendo um projeto para contratar profissionais de programação de software no segundo ano de faculdade porque os do terceiro já estão contratados. Empresas de produção de software estão recrutando profissionais em cursos de inglês já que é mais fácil ensinar programação do que o inverso. Cursos profissionalizantes são sim um caminho viável e necessário.

As novas tecnologias e a Internet são o cenário perfeito para promover o link entre, por exemplo a matemática e os algoritmos de Sergey Brin e Larry Page, fundadores do Google de quem aliás, a universidade de Stanford, principal incubadora do projeto, continua sócia. Exemplo de sucesso de ponte entre o ambiente acadêmico e o empresarial.

Recentemente fiquei chocado ao ouvir de uma mãe que em uma tarefa de pesquisa da escola a professora tinha proibido usar o Google. É como pedir para mandar uma carta pelo correio em vez de usar o email.


Viver é explorar as possibilidades do nosso tempo. E essas possibilidades vão cada vez nos surpreender mais. Elas são necessárias para acomodar 11 bilhões de pessoas na Terra em 2100 (segundo a ONU). São também oportunidade para novos negócios ou surgimento e reinvenção de novas indústrias. Os projetos que envolvem colaboração em massa entre países, culturas e empresas serão cada vez mais constantes nas sociedades cada vez mais abertas (e as fechadas ficarão cada vez mais isoladas, enquanto conseguirem ficar fechadas).

O Omni, um projeto que usa as redes sociais tipo Orkut para conectar pessoas que estão aprendendo uma nova língua foi o vencedor de um concurso promovido recentemente pela Microsoft de Bill Gates. Um exemplo de como essas comunidades colaborativas que hoje ainda têm um cunho exibicionista no Brasil (líder mundial disparado) podem transformar-se no futuro.

Os princípios básicos da educação devem ser a leitura (somos péssimos leitores), a escrita (digitação o quanto antes), o inglês (pela noção de diversidade cultural além da língua em si) e a inclusão digital que traz o raciocínio lógico e a matemática implícitos (com interfaces cada vez mais intuitivas, vide iPhone). Neste caso o projeto do computador popular de U$ 100,00 do Nicholas Negroponte é uma iniciativa poderosa e necessária. Essas são as ferramentas para as realizações mais rápidas do cidadão bem resolvido do futuro e deveriam ser entregues o mais prematuramente possível aos nossos pescadores do futuro.

Deixem-nos pesquisar sobre a vida de Dom Pedro I quando decidir tornar-se político ou navegar pelo mundo pelo Google Earth quando jogar vídeo game em rede com um competidor Chinês para entender onde fica a China.

Um sistema de educação eficiente, gerador de auto-estima deve valorizar a motivação e decisão em contraste a imposição.


Quanto mais rápido é um aprendizado motivado versus um aprendizado descontextualizado?

Lembra do filme Matrix? O Neo só recebia os conhecimentos via um programa de aprendizado diretamente no cérebro imediatamente antes de utilizá-los. Chegaremos lá? Será que já não estamos muito próximos?

Meu sonho é ser capaz de fazer a diferença para que aquelas mesmas crianças daqui a 15 anos, então cidadãos, colaborem para reinventar e adaptar as indústrias da construção, da metalurgia e o sistema jurídico brasileiro a realidade dos novos tempos. E por que não? Colaborem para criar uma nova classe política sintonizada mais com a realidade das comunidades (carentes ou não) do que com a realidade de suas boiadas.